Esta morte dói-me muito. Aprendi muito com Bob Wilson. Não, não foi meu professor ou mestre, mas aprendi como observador dos seus gestos na encenação e na conceção visual de muitos trabalhos. O que se observa no trabalho de Bob Wilson é fabuloso. E é uma aprendizagem.
Assisti a "Four Saints in Three Acts", no São Carlos em 2002. Tanta beleza até assustava. Aquilo não parecia feito por alguém de carne e osso. Alguém que se pode cruzar connosco na rua. Felizmente não acredito em deuses, o que me permitiu acreditar que o autor foi ele mesmo, aquele senhor que um dia eu cumprimentei no Frágil. Verdade. Havia uma festa qualquer que começava ao fim da tarde. Era verão. O Bairro Alto era diferente de agora. Era melhor. Eu cheguei por volta das sete da tarde. Era mesmo a hora de abertura da festa. Pensei que corria o risco de ser o primeiro a chegar. Não fui, mesmo à minha frente estava um homem muito grande (em todos os aspectos), de t-shirt preta, fato preto completo e copo na mão. Ouvia-se Lou Red. Cumprimentei-o, alinhavámos uma conversa de circunstância, fiz com que ele percebesse que eu conhecia o seu trabalho, e depois ficámos ali a "receber" os restantes convidados. O Manuel Reis chegou pouco depois e eu brinquei com isso: "Estive aqui a ocupar o teu lugar". Rimos, continuámos a conversa circunstancial e depois fomos ficando diluídos no convívio. A imagem deste encontro nunca mais me saiu da cabeça. Esta morte dói-me como se este encontro se tivesse repetido muitas vezes. Há gente que nunca deveria morrer. Mas isto é mesmo assim: vivemos com a memória do que nos fez crescer. Muito obrigado, senhor Bob Wilson. Foi bom viver no seu tempo.
Imagens: Bob Wilson fotografado por Robert Mapplethorpe. Só e com Philip Glass.